O STF e a coisa julgada em matéria tributária

O STF e a coisa julgada em matéria tributária

Em recente decisão, proferida em 08 de fevereiro de 2023, que envolveu o julgamento de dois recursos extraordinários – RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881), de relatoria dos Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) surpreendeu ao estabelecer que uma decisão definitiva sobre tributos recolhidos de forma continuada pode perder seus efeitos, caso a Corte venha a alterar seu entendimento sobre o tema. E isso, a todo e qualquer tempo.

É premente que se deixe claro que a decisão que possibilita a perda dos efeitos de uma sentença definitiva (já transitada em julgado) envolve apenas tributos recolhidos de forma continuada, ou seja, aquelas cuja cobrança é periodicamente renovada, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Decisões sobre as quais não caiba recursos e que envolvam tributos cobrados de uma só vez, como é o caso do ITBI incidente sobre a venda de um imóvel, permanecem inalteradas, mesmo que haja decisão contrária posteriormente proferida pelo STF.

Segundo o Ministro Barroso, entendeu o STF que, no caso das relações tributárias continuadas, uma decisão anterior que considere determinado tributo inconstitucional perde seu efeito após decisão superveniente que reconheça a sua validade. Isso faz com que a retomada do pagamento seja obrigatória, mesmo para os contribuintes amparados por decisões definitivas favoráveis no sentido de desobrigá-los do recolhimento.

O Ministro destacou que a coisa julgada deve prevalecer enquanto permanecerem as mesmas condições fáticas e jurídicas. Caso sobrevenha decisão que um tributo é devido, contudo, todos têm de pagá-lo, a partir deste momento.

Barroso ressaltou a importância de quem um determinado tributo incida sobre todos os atores do mercado, pois, assim não o sendo, quem se valer de coisa julgada antiga tem uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes, em decorrência da desigualdade tributária.

Caso concreto decidido

No ano de 1992, algumas empresas adquiriram, na Justiça, o direito de não pagar a CSLL, e a decisão transitou em julgado em outra instância. Em 2007, contudo, no julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade 15, o Supremo Tribunal afirmou que a contribuição era constitucional e deveria ser paga, o que deveria se observar a partir de então.

Insegurança jurídica

De acordo com o Ministro Barroso, desde que o STF tomou a decisão em 2007, nenhuma empresa pode se insurgir referindo surpresa com a necessidade de recolher o tributo e asseverou que aqueles que deixaram de pagar ou provisionar recursos após a validação da cobrança fizeram uma “aposta”:

A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que era devido, continuar a não pagar e a não provisionar (…) Se você for num cassino e fizer uma aposta você está num quadro de insegurança jurídica e pode ganhar ou perder. De modo que a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou a provisionou fez uma aposta.

Extensão dos efeitos da decisão

A decisão proferida pelo STF se deu em sede de repercussão geral, de modo que se estende a todos os casos semelhantes que corram em outras instâncias.

E a partir de quando as empresas terão que proceder ao recolhimento dos tributos que venham a ser considerados constitucionais?

De acordo com os termos da decisão, se o tributo for imposto e considerado constitucional, este só poderá ser cobrado a partir do ano seguinte. Já em caso de contribuição, três meses depois da decisão.

O Ministro Barroso esclareceu que, no caso específico da CSLL, objeto de julgamento do caso concreto, por haver uma decisão do Supremo que, em 2007, reconheceu o tributo como devido, tem-se por incabível a modulação, sendo devido o recolhimento dos valores anteriores, com respeito ao prazo prescricional. Já em caso de outros tributos, em situação fática ou jurídica distinta, o STF poderá decidir se haverá, ou não, modulação.

Nossa opinião

Em que pese o respeito e admiração que rendemos aos Ínclitos Ministros, que tomaram a decisão em votação unânime, é certo que há nítida violação às garantias constitucionais da coisa julgada e do direito adquirido, previstas no artigo 5º, inciso XXXVI, da Lei Maior, e, por corolário lógico, afastamento da segurança jurídica, pilar da democracia na estabilidade das relações.

Como é cediço, o Estado Democrático de Direito deve garantir a segurança jurídica, com transparência e previsibilidade e este é, justamente, um dos principais papéis do STF.

Não se defende aqui um sistema engessado e inflexível, mesmo porque a evolução das decisões e as alterações de posicionamento são necessárias. A sociedade as exige à medida que se moderniza.

Não obstante, não há como concordar com novas decisões acerca de questões já apreciadas e decididas a seu tempo, salvo se houver enquadramento legal (inteligência do artigo 505, do Código de Processo Civil).

Admitir que o STF firme orientação geral e abstrata, por meio de julgamento de Recurso Extraordinário, consubstancia medida sem respaldo normativo e leva à conclusão, também, de que o Poder Judiciário está interferindo na autonomia do Poder Executivo e avançando em competências precípuas do Poder Legislativo, em afronta ao Princípio da Separação dos Poderes, a que faz referência o artigo 2º, do texto constitucional.

O escritório está à disposição para abordar a mitigação dos riscos que essa decisão pode trazer.

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